Florescer
Eu sento na minha cadeira em frente ao computador mais um dia. E, hoje, como tantas outras vezes, me sinto um pouco triste. Está chovendo e a temperatura amenizou. Embora prefira o verão, sou grata pelas nuvens carregadas no céu. Mesmo sendo tolerante com altas temperaturas, nos últimos dias andei desejando um cenário como o de hoje. Em outras circunstâncias, poderia afirmar que minha tristeza está relacionada ao dia cinzento. Mas hoje não é o caso.
Na verdade, não é bem uma tristeza. É um aperto no coração acompanhado da vontade de chorar. Eu sei, parece tristeza, mas tenho minhas dúvidas. Afinal, a tristeza e eu somos velhas amigas, e essa sensação é diferente. Talvez seja uma prima distante dela. Não sei.
Eu poderia apontar tudo que, estou certa, está agravando a sensação estranha: o barulho dos carros, ônibus, motos e sirenes num fluxo constante e ininterrupto do lado de fora, me impedindo de assistir algo ou escutar música sem precisar aumentar o volume no máximo – e ainda assim encontrar dificuldade para ouvir -; a presença intolerável do medo – de sofrer qualquer tipo de violência, de contrair um vírus mortal apenas por estar próxima de outros humanos, de testemunhar mais um ato de intolerância cometido por pessoas ignorantes, irresponsáveis e/ou impacientes que não possuem um pingo de empatia correndo nas veias; da visão cimentada de prédios e casas amontoados, sem espaço entre um e outro onde você corre o risco de escutar tudo que se passa no outro lado da parede; o gosto musical de alguns vizinhos e dos baladeiros que fazem questão de compartilhar o que estão ouvindo em seus carros – inclusive, e de preferência, nas madrugadas -; o barulho infernal do motor de carros e motos daqueles que, suponho, possuem o sonho frustrado de ser piloto de corrida.
Todo esse caos e poluição audiovisual trazem angústia para o meu coração. Me sinto sufocada. Aos poucos, e muito, muito lentamente, sinto que a urbanização está me podando, arrancando pequenos pedaços de mim até não sobrar nem a raíz.
Com frequência me sinto como uma planta em um vaso. Sim, eu posso crescer naquele pequeno espaço. Posso transformar aquele punhadinho de terra num solo fértil e acabar florescendo. Posso usar todos os artifícios disponíveis para me tornar uma bela planta de vaso e acabar me saindo muito bem, obrigada. Mas o meu crescimento será sempre limitado pelo vaso – não importa o tamanho dele. Não importa o que eu acrescente ao vaso, nunca terei a experiência de ter contato direto com o solo. E mesmo com todo meu esforço, amor, carinho e dedicação, ainda existe a possibilidade de que as minhas flores nunca brotem, que minhas sementes não gerem frutos.
Ah, aí está, a minha tristeza que não é bem uma tristeza.
Meu aperto no coração, minha vontade de chorar, vem do medo de nunca alcançar o meu potencial máximo por falta de espaço, por limitações impostas pelo ambiente no qual estou inserida.
Talvez eu seja uma dessas plantas que se dá bem em vasos. Talvez eu seja algum tipo de árvore.
Enfim… enquanto coloco meus fones para escutar uma música agradável aos meus ouvidos, fecho os olhos e imagino minha vida em outro lugar, fora do vaso, com minhas raízes bem plantadas na terra e todo espaço necessário e segurança que preciso para crescer e florescer.
A sensação que a imagem me traz é boa, coloca um sorriso no meu rosto. E sinto meu coração dar uma ou duas batidas mais fortes, quase como uma vontade… vontade de impulsionar meu peito, meu corpo inteiro para outro lugar. Um lugar novo, com mais espaço e menos barulho, com mais tranquilidade e menos ansiedade… com mais vontade de viver e menos urgência de sobreviver.
(Imagem de capa: Annie Spratt)